O espectro do sonho - (e a vertigem de acordar)Páginas

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A INSONIA E A FÁBULA DO DESPERTAR (e o contentamento de viver)











Se em nós coubesse a mágica estação, despertaríamos. Caídos no sono profundo das nossas vontades mornas, os deuses também caíram na dormência eterna. Mas, apesar dos sonos eternos de tudo quanto possamos conceber em existência, há olhos que vêem o sol em seu esplendor, mãos que tocam o céu  das nossas interioridades...
Acima da linha de alcance do nosso olho mirrado estão as luzes que fustigam as sombras do esquecimento e do sono rochoso em que dormitamos... Prelúdio de crenças equivocadas que em nós se eternizam... Flutuamos  num sonho de gelo indeterminável... E a nossa memória aguarda, congelada, no escuro de cofres de aço, o tempo do desgelo...
Cai sem fim a areia do Tempo... Os olhos estão cerrados...





SOB A LUZ O HOMEM REVELA SUA SOMBRA ( e a verdade, e o equívoco)











Lá fora, a rua imóvel conduz o dia. E os homens repassam suas lembranças nas sombras das casas frias e amarelas. Os homens estão isolados na retidão da rua. Seus antebraços se contorcem e se estiram quando o sol os atinge. E na janela, alguém, debruçado no silêncio de recordações mudas, pereceu de saudade.
Os homens não rezam; refugiam-se no silêncio de convicções alquebradas e se dobram quando o vento os alcança. Parte de suas crenças, definhadas, esperam um consolador que não merecem. Envolvidos pelas nuvens de um céu cinza, eles esperam... Procissão. A calma é um falso abrigo para os que têm, na boca nula, a língua calcinada. Seus sorrisos são calados. E outros ainda, colocados no limite da vida, têm suas línguas mergulhadas num abismo úmido e cheio de olhares oblíquos. Confessam pecados de dia, de noite não sonham.
Alguns homens cantam em quartos miseráveis e, de quando em quando, precisam ser consolados por aves roucas que pousam em suas cidadelas decaídas, tremulamente, seus olhos se perdem num ponto vazio do ar que respiram. Não são viajantes; são hospedeiros do tédio.
Lá fora, já e ainda, a rua conduz o dia. E homens endireitados em sua própria sombra, repetem suas crenças tardias. E no esquecimento se refugiam...







A CLARIDADE QUE ILUMINA O DIA E DECIFRA O SONHO (e o ato de chorar)









Como podemos saber se vamos poder mirar os deuses? Os deuses emaranhados na teia Augusta. Seus gemidos de lentidão atestam o desconforto de estarem imobilizados nos fios do tecido eterno... Quando saímos, às ruas, anônimos na multidão que se engolfa em dias mortos de afazeres totalmente diários, olhamos para um céu baixo de azul que se perde em nuvens  de branco esfumado, esse céu ínfimo de esperança, atravessa toda a extensão de nosso olho e se dilui nas nuvens definitivas... Os deuses se ocultam nesse arco azul.... A multidão, como um rio barrento, desce as ruas e nas curvas se debate...
Que olho teceremos na cavidade ocular vazia que ostentamos? Os deuses escondem em si tudo que é mortal de infinidade... A multidão se agita nas ruas, praças, naves de aço, lagos estagnados... Flores falseadas brotam no pavimento de concreto... Homens nascidos da decrepitude governam o mundo... Seus olhos pendem nas paredes do poder.... O poder e sua afirmação.... O poder e o homem. O fantoche.
As portas estão aqui para sempre. Cidades fendidas exalam seu odor...
Sentimento brasileiro.
Um pássaro; uma criança de olhos livres dos grilhões aponta para a fenda no céu e exclama: “Um deus está ali!”
Três vezes desiguais, mais uma; entremos nessa fenda; enchamos nossos copos e brindemos esta hora até a madrugada dos nossos dias...
Nosso olho clarificado, enfim vê; um deus está ali...




O LABIRINTO ENTRE A RAZÃO E A MEMÓRIA DO ONTEM (e o vazio)










A esperança morreu...O arbítrio da morte, sem peso nem volume. As amantes, amordaçadas, já não beijam...Visões premonitórias de tempos velados. O som da morte se espalha. No vazio reservado ao esquecimento, o eco repete a angustia do ponto ermo onde o sol se põe...




quarta-feira, 13 de novembro de 2019

AS LEMBRANÇAS SE PERDEM (e o esquecer absoluto)












Uma vez atingida a meta de contemplar as horas misteriosas, e nada restasse; partimos para o refúgio das ruas. Nas profundezas da rua, tememos o medo. E como o medo crescesse e seu peso fosse insuportável, estacamos no sono. Acordar é uma conquista amarelada de sol.
Cão morto que um tiro de piedade matou. As horas são infinitas de humanidade.
É preciso ver o homem em tudo. Quando Zeus caiu das alturas, os homens teceram uma mortalha e cobriram-no para que o frio do mundo não o acordasse, e nas praças ergueram monumentos de bronze em homenagem a Zeus caído segurando em suas mãos as horas mais misteriosas que o mundo temeu.
As horas, recortadas por minutos inatingíveis, são depostas no fim do dia...







HAVIA QUEM CHORASSE DIANTE DAS FÉRREAS HORAS (e o tempo de pensar)












O que resta dos dias consumidos são flores endurecidas que foram aninhadas nas calçadas antigas desta rua e de outras tantas ruas que o tempo esqueceu...Vela o concreto, as sombras que em si mesmas se refazem...Muralhas de negrume; ondas de água escura que cobrem a geometria dos prédios vazios que se erguem até o infinito das nossas indagações. Dúvidas que nos arrastam em seus desígnios e se perdem nas lacunas de todos os dias...
Canções de ausências crescidas.
Tetos caídos.
Barcos naufragados nas águas da lentidão diária. Flores. Flores de pedra e sem perfume.
Vestígios atávicos que a sorte de morrer esqueceu...Calcinadas lembranças que o vento das aventuras todas não desfaz...Comer um seio intumescido é morrer de amor. Cantos de pássaros mortos que a voz rouca não sabe imitar. Sem medida a ultima hora se desfaz.
Hora de partir. Tempo em que a dúvida se faz mais forte, mais sentida...




A DELINQUÊNCIA DA MEMÓRIA (e o existir absoluto de tudo)













E quando o sol, posto a meio céu, tardou em iluminar o dia nulo em si mesmo e a meia claridade fosse um sinal de tempo tardio. E a rua morta não oferecesse um anseio mínimo de abrigo e contentamento. E fantasmas noturnos despertassem e ditassem suas crenças nauseadas, renascidas e trêmulas, nas praças de meio escuro, meio claro de carnavais mortos, como se fosse noite em dia e tudo pesasse sob a luz frouxa de um sol decadente, a grande batalha começou...A fome cresceu e deitamos a boca no prato de concreto e nosso beijo se feriu...Fendeu nossa alma...E corremos aos templos buscando um deus que não aviltasse nossa vontade, já e antes, frouxa e sem medida de fé duradoura, como se nossa fome fosse, sempre, a medida da nossa desdita...O peito aberto das cidades é a catástrofe...
E como vacilássemos entre sono e vigília, na batalha, nosso sonho pereceu...E buscamos no mar, agitado e verde de sal, saciar nossa sede...Nossas entranhas arderam e clamamos por alívio erguendo nossa mão a um céu baixo e sem azul. O azul do nosso clamor...Desejo de estarmos sempre, ao sol quente, banhando nosso estro...Quimera que a dor produz...E no fecho da nossa procura, estacamos, inertes, perante nós mesmos...O sangue nos matadouros é nosso...Sangramos nossa dúvida em versos indizíveis...Cantamos com voz inaudível... 
No princípio do tempo, ocultamo-nos no escuro de tetos caídos; ruínas do nosso passado que a descrença vertiginosa das humanidades que nos precederam deixaram como legado nesse chão que hoje verte o vômito antigo de dores cruentas que elas próprias viveram.
E quando o céu fendeu e em nós soprou o hálito frio do castigo e da miséria, nossa alma confrangida e aniquilada, buscou, na construção de castelos de cristal erguidos no interior das nossas esperanças ultimas e no beijo quente de amantes voluptuosas e sem pudor e gritamos silenciosos “dá-me teus seios e me ama até a morte e a ressurreição de tudo que for vida, ou qualquer vestígio de respiro, ainda que flébil, em nós, o eco do amor se faça”.
Mas o cristal dessa construção tornou-se pedra e ao seu peso se partiu...Nenhum ai é mais agudo que a desesperança...Nenhuma rocha sustenta a casa da descrença...O dia se pôs, assim, insustentável...
Nuvens, como manchas esfumadas, cobriram o sol posto a meio céu e tudo ruiu num desenho de poucos traços num poente distante e sombrio, que nós, eu e meu olho ficamos mirando até não restar nada...

[...] embriagar-se da água que brota das pedras.

Signos dos dias mortos. Premonições...

E tudo finda. Mulheres nuas que se acendem como lâmpadas de desejo e se apagam irremediavelmente no fim da luz.






UM PENSAMENTO DE DESESPERO - a vertigem da solidão










A felicidade da praça. A praça geométrica. E o sol a consome, a praça e seus ângulos; a praça e sua felicidade indizível, impronunciável...Ela espera...Amarela de sol e de piedade.
E no centro da praça, ao meio dia, o sol estacou e devorou sombras. Homens partiram buscando a fresca. Pássaros. Florestas miúdas. O verde amiudado de árvores tardias com frutos vermelhos e luxuriantes que os pássaros consomem...
Um eclipse engole o sol do meio dia. A praça se perde...Pássaros ausentes... Hora de partir.                                                                  





     

AUSÊNCIA, UMA ÚNICA, ESSA IMAGEM QUE PERTURBA A TARDE SEM FIM










O dia tece suas imagens na rua larga. No chão verde da praça, insetos, anônimos e alienados, devoram folhas que ninguém viu crescer.
No centro da praça, iluminada de sol, está a estátua do soldado morto; o soldado e suas articulações de mármore e de concreto. O sol a queimou. Isso foi tudo...
Quando chover e a chuva lavar o pavimento e a estátua do soldado, morto na guerra esquecida, mais um dia terá se passado...O dia lavado pela chuva e queimado pelo sol...
As imagens que o dia tece escorrem pela rua larga e se perdem nas curvas, nas curvas que o sol devora...Esquecimento que o dia encerra...





segunda-feira, 11 de novembro de 2019

NESSE DIA MUITAS COISAS FORAM VISTAS, MAS QUASE TODAS FORAM ESQUECIDAS











Uma vez atingida a meta de contemplar as horas misteriosas, e nada restasse; partimos para o refúgio das ruas. Nas profundezas da rua, tememos o medo. E como o medo crescesse e seu peso fosse insuportável, estacamos no sono. Acordar é uma conquista amarelada de sol.
Cão morto que um tiro de piedade matou. As horas são infinitas de humanidade.
É preciso ver o homem em tudo. Quando Zeus caiu das alturas, os homens teceram uma mortalha e cobriram-no para que o frio do mundo não o acordasse, e nas praças ergueram monumentos de bronze em homenagem a Zeus caído segurando em suas mãos as horas mais misteriosas que o mundo temeu.
As horas, recortadas por minutos inatingíveis, são depostas no fim do dia...







Lá fora, a rua imóvel conduz o dia. E os homens repassam suas lembranças nas sombras das casas frias e amarelas. Os homens estão isolados na retidão da rua. Seus antebraços se contorcem e se estiram quando o sol os atinge. E na janela, alguém, debruçado no silêncio de recordações mudas, pereceu de saudade.
Os homens não rezam; refugiam-se no silêncio de convicções alquebradas e se dobram quando o vento os alcança. Parte de suas crenças, definhadas, esperam um consolador. Envolvidos pelas nuvens de um céu cinza, eles esperam... Procissão. A calma é um falso abrigo para os que têm, na boca nula, a língua calcinada. Seus sorrisos são calados. E outros ainda, colocados no limite da vida, têm suas línguas mergulhadas num abismo úmido e cheio de olhares oblíquos. Confessam pecados de dia, de noite não sonham.
Alguns homens cantam em quartos miseráveis e, de quando em quando, precisam ser consolados por aves roucas que pousam em suas cidadelas decaídas, tremulamente, seus olhos se perdem num ponto vazio do ar que respiram. Não são viajantes; são hospedeiros do tédio.
Lá fora, já e ainda, a rua conduz o dia. E homens endireitados em sua própria sombra, repetem suas crenças tardias. E no esquecimento se refugiam...







O dia, morto em minguadas aventuras tediosas, deixou na rua larga, sob a sombra de edifícios apagados, sua nulidade estampada na face dos habitantes ali abrigados... Não há o que contemplar nesses dias obscuros, perdidos; vazios em si mesmos... E no fecho desse dia morno, enquanto a noite recompôs suas sombras, outros seres ali, silenciosos em seus pesares, respiraram suas agonias em viver. E em crenças absurdamente construídas em dogmas de aço, o dia foi finalmente deposto no vazio, sistematicamente inalado por todos que por ali passaram. E eu, mirando a última luz visível, ainda, no poente morrediço, segui pesaroso, com os olhos fixos no nada da noite crescente... estrelas perdidas na luz frouxa que emitem... No jardim baldio, sem cuidado, flores brotam...redenção... redenção... A mão que sustenta meu estro, no escuro e na perda maior... redenção... redenção...








Os deuses da antiguidade estão mortos. No meu jardim de pedras, os vestígios da sua dureza, relembram os deuses que, perecidos, nem flores são...Pedras do meu amor...
A luz naufraga na escuridão. Num vão aberto na memória tudo está esquecido...
Visão fugitiva que contempla os deuses, carcomidos e amordaçados, adormecidos num resto de lembrança que se dilui no esquecimento...Chove. No jardim de pedras, chove...