O espectro do sonho - (e a vertigem de acordar)Páginas

sábado, 6 de junho de 2020

A PREMONIÇÃO (ou a procura da memória de ontem)

Lá fora, a rua imóvel conduz o dia. E os homens repassam suas lembranças nas sombras das casas frias e amarelas. Os homens estão isolados na retidão da rua. Seus antebraços se contorcem e se estiram quando o sol os atinge. E na janela, alguém, debruçado no silêncio de recordações mudas, pereceu de saudade.
Os homens não rezam; refugiam-se no silêncio de convicções alquebradas e se dobram quando o vento os alcança. Parte de suas crenças, definhadas, esperam um consolador. Envolvidos pelas nuvens de um céu cinza, eles esperam... Procissão. A calma é um falso abrigo para os que têm, na boca nula, a língua calcinada. Seus sorrisos são calados. E outros ainda, colocados no limite da vida, têm suas línguas mergulhadas num abismo úmido e cheio de olhares oblíquos. Confessam pecados de dia, de noite não sonham.
Alguns homens cantam em quartos miseráveis e, de quando em quando, precisam ser consolados por aves roucas que pousam em suas cidadelas decaídas, tremulamente, seus olhos se perdem num ponto vazio do ar que respiram. Não são viajantes; são hospedeiros do tédio.

Lá fora, já e ainda, a rua conduz o dia. E homens endireitados em sua própria sombra, repetem suas crenças tardias. E no esquecimento se refugiam...