O espectro do sonho - (e a vertigem de acordar)Páginas

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A DELINQUÊNCIA DA MEMÓRIA (e o existir absoluto de tudo)













E quando o sol, posto a meio céu, tardou em iluminar o dia nulo em si mesmo e a meia claridade fosse um sinal de tempo tardio. E a rua morta não oferecesse um anseio mínimo de abrigo e contentamento. E fantasmas noturnos despertassem e ditassem suas crenças nauseadas, renascidas e trêmulas, nas praças de meio escuro, meio claro de carnavais mortos, como se fosse noite em dia e tudo pesasse sob a luz frouxa de um sol decadente, a grande batalha começou...A fome cresceu e deitamos a boca no prato de concreto e nosso beijo se feriu...Fendeu nossa alma...E corremos aos templos buscando um deus que não aviltasse nossa vontade, já e antes, frouxa e sem medida de fé duradoura, como se nossa fome fosse, sempre, a medida da nossa desdita...O peito aberto das cidades é a catástrofe...
E como vacilássemos entre sono e vigília, na batalha, nosso sonho pereceu...E buscamos no mar, agitado e verde de sal, saciar nossa sede...Nossas entranhas arderam e clamamos por alívio erguendo nossa mão a um céu baixo e sem azul. O azul do nosso clamor...Desejo de estarmos sempre, ao sol quente, banhando nosso estro...Quimera que a dor produz...E no fecho da nossa procura, estacamos, inertes, perante nós mesmos...O sangue nos matadouros é nosso...Sangramos nossa dúvida em versos indizíveis...Cantamos com voz inaudível... 
No princípio do tempo, ocultamo-nos no escuro de tetos caídos; ruínas do nosso passado que a descrença vertiginosa das humanidades que nos precederam deixaram como legado nesse chão que hoje verte o vômito antigo de dores cruentas que elas próprias viveram.
E quando o céu fendeu e em nós soprou o hálito frio do castigo e da miséria, nossa alma confrangida e aniquilada, buscou, na construção de castelos de cristal erguidos no interior das nossas esperanças ultimas e no beijo quente de amantes voluptuosas e sem pudor e gritamos silenciosos “dá-me teus seios e me ama até a morte e a ressurreição de tudo que for vida, ou qualquer vestígio de respiro, ainda que flébil, em nós, o eco do amor se faça”.
Mas o cristal dessa construção tornou-se pedra e ao seu peso se partiu...Nenhum ai é mais agudo que a desesperança...Nenhuma rocha sustenta a casa da descrença...O dia se pôs, assim, insustentável...
Nuvens, como manchas esfumadas, cobriram o sol posto a meio céu e tudo ruiu num desenho de poucos traços num poente distante e sombrio, que nós, eu e meu olho ficamos mirando até não restar nada...

[...] embriagar-se da água que brota das pedras.

Signos dos dias mortos. Premonições...

E tudo finda. Mulheres nuas que se acendem como lâmpadas de desejo e se apagam irremediavelmente no fim da luz.






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