O espectro do sonho - (e a vertigem de acordar)Páginas

terça-feira, 7 de julho de 2020

O MAR E O PORTO (o pensamento navega na lembrança - e na saudade)





O MAR, O PORTO

A pele, num dia cinzento, não vale nada. O que conta, em qualquer tempo, são os olhos que podem ver o mar; o mar em sua grandeza.
Na rua central, alguém, desvalido, comeu um pão caído no chão. No dia seguinte não houve pão. O vento não soprou cabelos. Solidão; fome... A insustentável fome do mundo. Espectro ou vivente têm seus momentos de lucidez. Um e outro, quando chove, abrigam-se em suas lembranças e adormecem juntos, aninhados em folhas de papel velho. O mar em sua grandeza azulada, esverdeada; não sei.
A cidade cai na noite, ergue-se com o sol do dia seguinte. Se não houver pão haverá pedras do pavimento de uma rua qualquer. Os homens estão ali, inertes.
Os pés, num dia cinzento, não valem nada. O que conta são as mãos que afagam e consolam. Num quarto, antigo e distante, alguém perdeu um pensamento. A solidão de estar só diante do lago manso e não ter na mente, versos para consolo; e quando o lago fica seco, nada resta... aí está o mistério... O barco esquecido no porto... O que antes navegava no lago ou no pavimento de cidadelas mudas, está posto na indiferença humana... um barco... um homem... um homem-barco esquecido no porto....
Ah! O mar e seu gigantismo. O porto é uma lembrança em que a saudade aporta. E o dia pendeu no entardecer...