VISITAS NOTURNAS
A
noite estava feita quando as visitas chegaram. Tomaram chá, olharam minhas
paredes.
Procuravam
manchas na textura gasta, esquecida. Examinaram, detidos nas reentrâncias,
atentos à procura de odores e marcas do tempo. O mofo, o sujo, a lembrança
guardada, vestígios de dores insistentes e pegajosas. Aquelas que se
incrustaram no fundo do abismo mais profundo das nossas paredes. Enfermidades
da tinta envelhecida, da cal amarelada. EGO. Ainda na busca inquieta, vasculhavam
a procura de pontos de luz e claridade. Saberes; experiencias; virtudes e
contentamentos. Estertores aquietados, ou calmarias pacificadas. Tristezas e
alegrias. Tinta e pó. Falaram, falamos, tomaram o chá servido, olharam, ainda,
minhas paredes (minhas paredes repletas de quadros), quadros por toda parte, no
chão, atrás do móvel, empilhados num canto, alguns dentro de mim, de nós;
ninguém os quer. São de gosto obsoleto, degradado, marrons, sem cores quentes,
mas tão artísticos e reveladores. Expressam muito. A arte da poesia pintada.
Memórias pictóricas dos acúmulos. Alguns tão doces e agradáveis de se olhar,
alguns, ou todos até, adocicados ao exagero. Injustiçados e relegados ao porão.
As
visitas sorvem o chá quente, doce, vermelho, muito vermelho. Deito, na xícara,
o chá; a xícara e sua sombra. ANSIEDADE. Reviro pinturas, desenhos, datas,
vibrações de cor e suas mutações. O reino da noite é dos poetas. O reino do dia
é dos alegres e vivazes. O reino da angústia, porém, pertence à todos; e se
engolfa nas entranhas de tudo.
As
pessoas que chegaram no largo da noite, cansaram-se, foram-se, mas ai, levaram
pinturas raras; deixaram moedas que rolaram porta a fora. DILEMA. Foi-se,
foram-se... no móvel, ficaram as vazias xícaras, no meu olho uma xícara vazia e
sua sombra, uma sombra tênue e fugaz que foi esvaindo-se aos poucos ante meu
olhar atento até restar somente a xícara. A xícara vazia, imóvel, sem sombra,
sem chá, sem cor, sem móvel pra sustento, sem esperança, sem nada. Sem cores na
parede extática, imóvel e esgarçada de tanto esperar. E esperou... E
esperamos... |
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